26 julho 2008

Educação não é mais centrada só no indivíduo e na sociedade

Há duas portas de entrada para a educação e para a socialização da vida humana: a família e a escola. Da família herdamos ou não o sentido da acolhida e da auto-confiança (da mãe) e o sentido dos limites e a percepção de valores éticos (do pai). A escola, além que repassar informações, se propõe o objetivo de criar as condições para a formação de pessoas autônomas com competência para plasmar o próprio destino e aprender a conviver como cidadãos participativos. A educação, nesta perspetiva, era centrada no ser humano e na sociedade.
Esse propósito correto é hoje insuficiente. Depois que irrompeu o paradigma ecológico, nos conscientizamos do fato de que todos somos ecodependentes. Não podemos viver sem o meio ambiente, com seus ecossistemas, que, incluído o ser humano, forma o ambiente inteiro. Somos um elo da comunidade biótica. A humanidade não está frente à natureza, nem acima dela como donos, mas dentro dela como parte integrante e essencial. Participamos de uma comunidade de interesses com os demais seres vivos que conosco compartem a biosfera. O interesse comum básico é manter as condições para a continuidade da vida e da própria Terra, tida como superorganismo vivo, Gaia.
O fato novo, até há pouco ausente na consciência coletiva da grande maioria e também de cientistas, é que todo o sistema de vida está correndo risco. É conseqüência de uma civilização produtivista/ consumista/ materialista que tem predominado nos últimos séculos, hoje globalizada. Ela fez com que a Terra perdesse seu frágil equilíbrio e sua capacidade de autoregeneração. Temos que impedir que Gaia entre num processo de caos, buscando através dele um novo equilíbrio, mas à custa de pesados sacrifícios ecológicos, como a dizimação de milhares de espécies, cataclismos, secas, inundações, insegurança alimentar em vastas proporções e, eventualmente, o desaparecimento de incalculável número de seres humanos. A partir de agora, a educação deve impreterivelmente incluir as quatro grandes tendências da ecologia: a ambiental, a social, a mental e a integral ou profunda (aquela que discute nosso lugar na natureza e nossa inserção na complexa teia das energias cósmicas).
Mais e mais se impõem entre os educadores ambientais esta perpectiva: educar para a arte de viver em harmonia com a natureza e propor-se repartir equitativamente aos demais seres os recursos da cultura e do desenvolvimento sustentável. Precisamos estar conscientes de que não se trata apenas de introduzir corretivos ao sistema que criou a atual crise ecológica, mas de educar para sua transformação. Isto implica superar a visão reducionista e mecanicista ainda imperante e assumir a cultura da complexidade. Ela nos permite ver as interrelações do mundo vivo e as ecodependências do ser humano. Tal verificação exige tratar as questões ambientais de forma global e integrada.
Deste tipo de educação deriva a dimensão ética de responsabilidade e de cuidado pelo futuro comum da Terra e da humanidade. Faz descobrir o ser humano como o cuidador do jardim do Éden que é nossa casa comum e o guardião de todos seres. A democracia, além de ser sem fim, como o quer com razão Boaventura de Souza Santos, será também uma democracia socioecológica. Junto com a cidadania (que vem de cidade) estará a florestania (que vem de floresta), ensaiada pelo governo petista do Acre. Ser humano e natureza se pertencem mutuamente e juntos devem construir um caminho de convivência não destrutiva.
  • Jornal Eletrônico "O Tempo" - Leonardo Boff
  • (extraído em 08/jun/2008)

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