26 julho 2008

PAÍS PRECISA DE DOCENTES EM FILOSOFIA E SOCIOLOGIA


Disciplinas se tornaram obrigatórias por lei sancionada no mês passado

O Brasil precisa de 15 vezes mais professores de filosofia e 40 vezes mais de sociologia para que todas as escolas de ensino médio passem a ter aulas das duas disciplinas. A obrigatoriedade foi instituída por lei no mês passado, depois de um debate que durou décadas. Um estudo feito pelo Ministério da Educação (MEC) a pedido do Estado mostra a dificuldade que as escolas terão para se adaptar à nova legislação. Além da falta de docentes dessas áreas, há ainda material didático insuficiente e poucos estudos sobre um currículo atual de sociologia e filosofia.


Hoje o País tem 20.339 professores de sociologia atuando nas escolas, no entanto, só 12,3% deles (2.499) são licenciados na área. O restante se graduou em áreas como história, geografia, português. Em filosofia, o número atual é de 31.118, sendo 23% (7.162) com a licenciatura específica. Isso porque há estimativas de que 17 Estados já tenham aulas dessas disciplinas em pelo menos um ano do ensino médio. Segundo o estudo do MEC, a demanda em cada uma das disciplinas é de 107.680 professores. O levantamento mostra também que a quantidade de graduados nas duas áreas nos últimos cinco anos, independentemente da opção por dar aulas ou não, está longe de cobrir o déficit. Foram cerca de 14 mil em filosofia e 16 mil em sociologia. "Não haveria professor suficiente nem para ter apenas um por escola", diz Dilvo Ristoff, autor do estudo e diretor de Educação Básica Presencial da Capes/MEC, órgão que agora cuida também da formação de professores no País. São 24 mil escolas de ensino médio no Brasil. "A falta de professores ocorre em várias disciplinas. Mas o currículo não podia mais ficar empobrecido, sem a sociologia e a filosofia", diz o presidente da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), Cesar Callegari, que foi o relator de um parecer favorável à medida em 2006. O documento pedia que os Estados se preparassem durante um ano - o que terminou em agosto de 2007 - para acrescentar as duas novas disciplinas, mas não estipulava prazo para implantação nem dizia em que série do ensino médio elas deveriam estar inseridas. A lei de junho retificou essa decisão e exigiu que sociologia e filosofia integrassem o currículo dos três anos do ensino médio, o que complicou mais ainda a situação.


Antes disso, em 2001, o então presidente, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, vetou uma lei semelhante, alegando justamente a falta de professores. As disciplinas haviam sido banidas dos currículos em 1971 durante o regime militar no País e substituídas por aulas como a de Educação Moral e Cívica. "Como não havia campo de trabalho, muitos professores deixaram de fazer licenciaturas nessas áreas, mas isso pode ser recuperado aos poucos", diz a presidente do sindicato dos professores de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Noronha. Enquanto isso, segundo ela, docentes de história, principalmente, podem dar aulas dessas disciplinas. É o que vem sendo feito em alguns Estados. A lei atual não prevê prazo para total implementação das disciplinas e nem a carga horária que deve ser dedicada a elas. O estudo do MEC fez estimativas considerando a mesma carga horária usada hoje em história (3 aulas por semana), com quatro turmas por professor.


Para o presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Lejeune de Carvalho, a necessidade de professores prevista está "exagerada". "Um professor pode dar até 20 aulas." Segundo ele, a demanda seria de 25 mil professores, um para cada escola. Mesmo assim, o sindicato tem feito parcerias com universidades para que ofereçam licenciatura para os que já são bacharéis em filosofia e sociologia. Hoje, há 12 cursos de graduação em Sociologia e Estudos Culturais no País e 83 de Filosofia. Apesar da previsão, o MEC ainda não tem um plano para incentivar a formação de professores nessas áreas.


CURRÍCULO - O sindicato também organiza nesta semana um seminário na Universidade de São Paulo (USP) para discutir como ensinar as disciplinas. "Defendo que haja um tronco nacional com conteúdos mínimos como história das ciências, principais teóricos, instituições, classes. Mas há quem acredite que deve ficar a cargo de cada escola", diz. "As outras disciplinas estão anos-luz na nossa frente, porque sempre estiveram no currículo. "Hoje a disponibilidade para livros didáticos de filosofia é maior que em sociologia, segundo a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros). "Os conteúdos são correlatos a outras disciplinas e têm grande subjetividade" , diz o membro da comissão editorial da entidade, Antonio Nicolau Youssef. Segundo ele, normalmente as editoras têm apenas um livro para ser usado por todos os anos do ensino médio, o que também terá de ser mudado com a nova lei.

O Estado de S.Paulo, 21 jul. 2008.
Renata Cafardo

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